"Tenha a bondade de descobrir-se"

Série fotográfica sobre o Liceu Pedro Nunes, em exposição no Museu Nacional de História Natural e da Ciência,  Sala Cortiça.
De 13 de Novembro de 2015 a 29 de Novembro de 2015

“O conjunto de imagens fotográficas tem como referente o Liceu Pedro Nunes .
Tratam-se de imagens do edifício antes das obras de remodelação concluídas em 2010. Essas imagens documentam lugares dentro do Liceu, espaços que acumularam o tempo e a passagem de um imenso número de alunos e professores.
Uma escola é, ou deverá ser, um lugar de múltiplas experiências e descobertas, onde cabem diferentes saberes; um espaço adaptável, mutável, revisível e preferencialmente flexível, dotado de um espírito de curiosidade e de avidez de compreensão, tal como a ciência.
No seu tempo de existência, a (hoje chamada) Escola Secundária Pedro Nunes tem acompanhado os avanços científicos. Ano após ano, aquilo que se tem ensinado nas suas salas de aula, ora tem sido infinitamente repetido, ora vai dando lugar a novas teorias, novas concepções, novas formas de pensar e ver o mundo.
Este projeto fotográfico pretendeu também refletir sobre as descobertas da adolescência e da juventude e as aprendizagens diversas, em épocas e gerações distintas; sobre os espaços e as memórias que foram partilhados, nesta escola, por essas diferentes gerações e sobre os acontecimentos pessoais e coletivos que este Liceu, com mais de cem anos, testemunhou.
Interessou-me igualmente, neste projeto, o momento de transformação dos lugares de memória, ou a iminência dessas transformações. Neste trabalho tentei captar a espectativa da remodelação do edifício e a coexistência de espaços renovados e metamorfoseados em tempos diferentes, resultado da contínua adaptação do edifício a novas necessidades e constantes desafios.”
Rodrigo Bettencourt da Câmara



“RESTVTVS (DICIT) RESTETVTA PONE TVNICA ROGO REDES PILOSA CO(NNVM)”[1]

Quando Darwin escreveu Sobre a Origem das Espécies por Meio da Selecção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida, estava longe de imaginar que 100 anos mais tarde, em Portugal, o ensino liceal ainda era assumidamente destinado a uma elite. Cada um deveria ser educado consoante o seu estatuto social e, em alternativa à teoria da evolução, a maioria da população tinha apenas acesso à explicação cristã da criação divina.
Recorde-se a reforma do ensino primário, proposta nos anos 1930’ por Carneiro Pacheco: “Reconhece-se indispensável que todos os portugueses possuam o mínimo de formação que lhes dê capacidade para as lutas da vida [...][2], no entanto, como advertia o então deputado Correia de Pinto, essa instrução podia ser nefasta se não fosse enquadrada pela “boa” educação: “Saber ler valoriza as actividades humanas e alarga os horizontes da vida. Mas vejamos: saber ler para acreditar cegamente o que dizem certos jornais e certas publicações? Saber ler para fazer a cultura do ódio entre os homens e do ódio entre as classes? Saber ler para poder ver até onde vai a práctica e a ciência do mal? Pergunto: vale a pena saber ler para isto? É preciso sobretudo educar […] A educação sem instrução pode ir muito longe, diz alguém, e assim fizeram os discípulos de Cristo. A instrução sem educação pode levar muita vez para o hospital, para a cadeia, para o manicómio.[3]
            Embora esta política pública de ensino não conseguisse manter para a eternidade cada macaco no seu galho, na medida em que também ela está sujeita a idênticas pressões evolutivas. Parece haver, no entanto, uma certa tendência para pensar que o ensino em Portugal se degradou no exacto momento em que parecia evoluir. Como se a partir de 1974, com a democratização do ensino ou com a chamada massificação da escola pública, o ar do Liceu se tivesse tornado demasiado “funk” para a sensibilidade apurada do nariz gourmet.
Mas este trabalho fotográfico de Rodrigo Bettencourt da Câmara, “Tenha a bondade de descobrir-se” foi realizado em 2008, 34 anos depois da abertura do Liceu a todas as classes sociais, sendo, por isso, contemporâneo das XIII Olimpíadas do Ambiente na qual a “Cláudia” parece ter recebido uma menção honrosa. Ele é assim posterior à “vandalização do legado” do Liceu Pedro Nunes agora rebatizado Escola Secundária de Pedro Nunes mas, anterior às recentes obras de manutenção e modernização da Parque Escolar.
Na verdade, foi nesta janela, entre processo de democratização do antigo liceu e o início das obras de restauração que este projecto fotográfico podia ser realizado. Até porque no trabalho de Rodrigo Câmara, tal como na teoria freudiana das pulsões, Eros, a pulsão sexual com tendência à preservação da vida, e Thanatus, a pulsão para a morte, trabalham em conjunto segundo o princípio de conservação da vida. Ao invés, no antigo liceu, os alunos podiam de acordo com a mais moderna pedagogia e cientificidade do Estado Novo, deflorar a genitália e pélvis feminina, sem que isso implicasse uma experiencia erótica mais significativa, contrária à moral e aos bons costumes.
Ainda assim, “Tenha a bondade de descobrir-se” não é explicitamente uma sugestão sexual mas, o mote enigmático que o Rodrigo Bettencourt da Câmara encontrou numa placa de metal junto à entrada da sala dos professores. Digo mote porque o trabalho está povoado por outras inscrições desenhadas ou caligrafadas (pichação). Estas inscrições dos alunos que encontramos espalhadas pelo espaço escolar, não são apenas uma forma de expressão livre, mas, tal como a fotografia sugere, são também marcas de uma passagem efémera pelo mundo.
João Serra




[1] Grafiti de Pompeia – CIL IV 3951
[2] Assembleia Nacional  Diário das Sessões – Diário nº 147, 27 – 11 – 1937, pp. 13  33
[3] Idem - Diário das Sessões nº 176, 25 – 03 – 1938, pp. 556 – 563.

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